Uma questão sempre me chamou a atenção na parábola do bom samaritano. É algo quase escondido no texto, mas que sempre me intrigou. Entender essa questão me faz ser diferente, me faz agir e ver a vida diferente. O que me chama a atenção é a pergunta do intérprete da lei. O que para a maioria nada significa, pra mim salta aos olhos. “O que eu posso fazer para herdar a vida eterna?” (Lucas 10.25). “O que posso fazer”.
Não é interessante isso? Veja que aquele advogado do tempo de Jesus acreditava numa salvação meritória. Seu entendimento é que apenas os que fizessem por merecer é que alcançariam a vida eterna. Por isso, a pergunta: “O que eu posso fazer para herdar a vida eterna?” Perceba que ainda fazemos a mesma pergunta do intérprete da Lei. Agimos como se devêssemos fazer por merecer o céu. Esforçamo-nos para receber em troca a vida eterna, supomos que conseguimos “comprar” a vontade de Deus de tal maneira que Ele não tenha outra coisa a nos dizer, senão: “Merece, agora entra na minha vida”.
Ora, Deus nos chamou para entrar na vida Dele, sem que a merecêssemos. A Palavra de Deus não deixa dúvidas de que a salvação é um dom de Deus, e não dos homens. A parábola da grande ceia não diz isso? Ela é clara em afirmar que o convite é feito a gente que não tinha importância nem reputação suficiente para receber tão grande presente do rei. Paulo, por sua vez, escrevendo aos efésios esclarece que nossa salvação não é fruto de obras (e por obras se entenda tudo o que fazemos com o nosso esforço pessoal), mas pela fé em Cristo (Efésios 2.8-10). Isso é graça. Ainda assim, eventualmente nos pegamos fazendo nossas penitências contemporâneas, “sofrendo” em busca de salvação, com jejuns e campanhas para “provar” a Deus que merecemos a sua bênção, que podemos ser recompensados com a “vida eterna”.
A resposta de Jesus àquele homem parece contribuir para que pensemos que é possível fazer alguma coisa. Apenas parece, pois amar a Deus “de todo o coração, de toda a alma, de todas as forças e de todo o entendimento” é tarefa hercúlea e impossível, se não for pela graça de Deus, se não for pela infusão de uma vontade divina, que sopra sobre nós o desejo intenso de estar com Ele. Isso, sem contar o “amar o próximo como a mim mesmo”, outra tarefa que só é possível quando somos tocados por Deus.
Só assim somos salvos, quando graciosamente Deus nos toma pela mão. Quando tal acontece fazemos mais do que participar de liturgias de cultos dominicais. Somos compelidos – pela graça, e só pela graça – a cuidar uns dos outros, a amar uns aos outros, a ser uma resposta de oração na vida de quem cruzar o nosso caminho.