Neste ano comemoramos 500 anos desde que a Reforma Protestante teve inicio, às portas da igreja do Castelo de Wittenberg, na Alemanha. Tudo começou quando Martinho Lutero, à época com 33 anos, após dias e dias (que se transformaram em meses) lendo as Escrituras Sagradas, teve o seu coração e mente transformados e corajosamente caminhou até aquela porta e ali pregou as 95 teses que atingiram frontalmente o engodo religioso de sua época. O local escolhido por Lutero não era qualquer um, era o principal, por onde passava grande número de pessoas e não havia como não perceber a verdade do Evangelho.
Hoje, lendo aquelas teses, parecem tão obvias e simples, mas ainda muito reveladoras e necessárias. Elas denunciam não apenas o clero da época, mas também o laicado, o povo. As 95 teses revelam quão facilmente podemos perder o rumo, mesmo prestando culto a Deus; revelam que um povo que busca os céus pode facilmente ser manipulado por gente inescrupulosa. Aquelas teses também nos ensinam que a maioria das pessoas, entre a palavra do profeta e a Palavra de Deus, acaba preferindo a palavra do profeta, ainda que esta esteja em conflito com a Palavra de Deus, revelando absoluto desprezo ao sola scriptura. A maioria prefere o engodo, a falsidade, a mentira dita em nome de Deus, porque simplesmente não conhecem o Deus da Palavra.
Nesses 500 anos o mundo mudou em várias áreas como a tecnologia, a medicina, a engenharia, novas ciências e saberes surgiram, mas continuamos sendo manipulados pelos mercadores da fé, continuamos egoístas buscando na religião um jeitinho de nos darmos bem financeiramente, continuamos tradicionalmente irredutíveis em nossas posturas, mesmo naquilo que ofende a Deus. Precisamos urgentemente de um retorno à verdadeira sola fide.
Os religiosos do século XXI continuam fingindo ser o que não são na “semana santa” e vivendo como de fato são nas outras 51 semanas do ano. Amando as riquezas e não querendo contribuir financeiramente com o reino de Deus defendem que no Novo Testamento não há mais a figura do dízimo, esquecendo-se de que no NT a medida não é mais de 10%, mas de 100% de generosidade.
Ainda continuamos necessitados de uma reforma protestante, pois os tempos modernos fizeram de nós “cristãos” descomprometidos, individualistas e defensores de uma fé privada, contrariando frontalmente a relação do cristão com Cristo e sua Igreja, um dos pilares da Reforma, expressos no capítulo XXVI da Confissão de Fé de Westminster, que declara que “todos os santos que pelo seu Espírito e pela fé estão unidos a Jesus Cristo, seu Cabeça, têm com Ele comunhão nas suas graças, nos seus sofrimentos, na sua morte, na sua ressurreição e na sua glória, e, estando unidos uns aos outros no amor, participam dos mesmos dons e graças e estão obrigados ao cumprimento dos deveres públicos e particulares que contribuem para o seu mútuo proveito, tanto no homem interior como no exterior”. Assim, sem compromisso com a igreja tornamo-nos ensimesmados e donos da verdade, porque deixamos de lado o “instrui-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria (Col. 3.16), o que só pode acorrer num contínuo relacionamento com o Corpo de Cristo (solus Christus).
Precisamos voltar às portas do Castelo de Wittenberg emocionados pela Palavra de Deus, tanto quanto aquele jovem monge, que rompeu com o establishment de seu tempo sem se importar senão em viver e pregar a Verdade do Evangelho. Quem é tocado pela graça de Deus (sola gratia), como foi Lutero, não passa pela cidade sem pregar as suas teses evangélicas, não se deixa ser enganado pelos manipuladores de seu tempo. Quem é tocado pela graça invariavelmente se torna um protestante das mazelas ditas ou promulgadas em nome de Deus e se torna um opositor do sistema demoníaco implantado no mundo. Protestantes não são enganados, desvelam o engano.
Soli Deo gloria!
(Publicado originalmente na Revista Box95, edição de maio/2017)