Mais uma vez estamos discutindo política, e isso é bom, por mais absurdo que pareça, pois quem não discute política tende a alienar o pensamento com as ideologias vigentes, todas sutilmente[1] estabelecidas por aqueles que detêm o poder.

Sim, é importante discutir política de forma equilibrada e honesta, pois, segundo o historiador britânico, Arnold Toynbee, “o maior castigo para aqueles que não se interessam por política é que serão governados pelos que se interessam”. Portanto, nada melhor do que definirmos logo o que queremos como governo, para amanhã não gemermos debaixo de imposições políticas, com as quais não concordamos.

Certamente, os rumos políticos de uma nação definem, entre outros aspectos, também o da cultura, o que é algo muito sério, uma vez que cultura é a vida total de um povo. Nossa compreensão sobre família, sobre o direito à vida, seja por um embrião ou por um idoso à beira da morte, nosso entendimento sobre a possibilidade de defesa armada diante de agressores, nossa compreensão sobre casamento e ideologia de gênero, sobre maximização da economia e diminuição dos impostos, sobre um Estado mínimo e um mercado livre, além de tantas outras inúmeras áreas têm grande poder sobre quem somos na sociedade. Não é sem razão que Clifford Geertz propõe que “a cultura deve ser vista como um conjunto de mecanismos de controle para governar o comportamento” (GEERTZ, 1989, p. 56). Não apenas nosso comportamento, mas até mesmo a nossa forma de pensar é dirigida pela cultura.

Não nos enganemos, política define cultura, molda-a ao longo dos anos e faz parecer normal o que antes nos assustava, pois os valores sociais se alteram no tempo e no espaço. Portanto, os cristãos precisam conhecer e se posicionar diante das propostas políticas, muitas vezes subliminares, escondidas sob falsas propostas de diminuição das desigualdades sociais, melhoria da economia e diminuição do desemprego em massa.

Terra e céu, Estado e Igreja

É preciso, portanto, considerar algumas questões, antes de prosseguirmos. Primeiramente, devemos entender que somos cidadãos de dois mundos simultaneamente. Ao mesmo tempo em que as Escrituras afirmam que a nossa cidade está nos céus (Filipenses 3.20; Hebreus 13,14), também deixam claro que somos peregrinos neste mundo. Pedro escreve que somos “peregrinos e forasteiros” (I Pedro 2.11). Logo, somos do céu, mas ainda vivendo na terra, implicando que o cristão deve ansiar o céu, sem, contudo, deixar de considerar as questões sociais, políticas e econômicas. Como cidadãos da terra, ainda que assentados nos lugares celestiais[2], devemos respeitar as leis e participar das discussões do cenário político, influenciando os temas da sociedade e do Estado.

É preciso considerar ainda que a conscientização cristã a respeito da importância da participação política não significa a união entre o Estado e a Igreja. O Senhor Jesus estabeleceu a clara separação entre essas duas instituições ao ordenar: “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Lucas 20.25). A Igreja e Estado possuem papeis distintos, sedo que a Igreja deve influenciar o Estado, mas com ele não se confundir. Problemas sempre surgem, quando a Igreja se coloca acima do Estado ou o Estado acima da Igreja. Ambos devem caminhar lado a lado, tendo Deus como Senhor sobre ambas as instituições.

Quem é autoridade sobre a minha vida?

Ao discutirmos política, não podemos nos esquecer que as Escrituras nos admoestam obedecer às autoridades. Isso pode ser observado na carta de Paulo aos romanos que diz que “todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas. De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação” (Romanos 13.1-2).

O texto é claro em afirmar que devemos respeitar as leis e o governo civil, pois toda autoridade provém de Deus e todas elas foram ordenadas por Ele. Por isso o conselho do apóstolo Paulo para que orássemos pelos governantes (I Timóteo 2.1-4). Essa obediência, contudo, não pode ser cega e incondicional. A instituição humana deixa de ser autoridade sobre a minha vida, quando ela inverte os papéis descritos por Pedro: “castigo dos malfeitores” e “louvor dos que praticam o bem” (I Pedro 2.13-14). Quando essa instituição inverte os papeis e passa a louvar os malfeitores e a castigar os que praticam o bem, automaticamente deixa de ser autoridade sobre o cristão que teme a Deus, acima dos homens.

Autoridade é toda pessoa ou instituição que se submete à vontade do “Autor e consumador da fé, Jesus” (Hebreus 12.2). Quando uma pessoa (ou instituição) deliberadamente decide fazer oposição aos princípios bíblicos, automaticamente deixa de ser autoridade sobre a vida do cristão.

No momento em que o Estado confronta os princípios morais e espirituais da Palavra de Deus, cabe ao cristão obedecer mais a Deus do que aos homens, conforme lemos em Atos 5.27- 29, pois a sujeição à autoridade humana deve ser feita, acima de tudo, por amor ao Senhor. A ordem é que nos sujeitemos a toda instituição humana “por causa do Senhor” (I Pedro 2.13), não por causa dos homens. No momento em que os homens tentam se colocar acima do Senhor é dever do cristão não considera-los como autoridade. Por isso, Daniel continuou a orar, ainda que o rei tivesse baixado um decreto proibindo intercessões, senão a ele.

Os apóstolos já haviam sido presos por pregarem o Evangelho. Mesmo assim, continuaram a falar de Jesus, ainda que o Sinédrio os tivessem proibido. Numa das vezes em que eles foram trazidos diante dos religiosos, o texto informa: “Trouxeram-nos, apresentando-os ao Sinédrio. E o sumo sacerdote interrogou-os, dizendo: Expressamente vos ordenamos que não ensinásseis nesse nome; contudo, enchestes Jerusalém de vossa doutrina; e quereis lançar sobre nós o sangue desse homem. Então, Pedro e os demais apóstolos afirmaram: Antes, importa obedecer a Deus do que aos homens” (Atos 5.27-29). Estava definido o princípio da desobediência civil, quando a instituição civil entra em choque com o Autor e Consumador da fé. O cristão pode – e deve – desobedecer à autoridade política se ela proibir de realizar o ministério evangélico.

Considerações finais

Algumas considerações finais, quanto às escolhas que faremos para governar o país. Primeiramente, cuidado com as escolhas; há evidências na Bíblia de que algumas escolhas políticas podem desagradar a Deus. “Eles estabeleceram reis, mas não da minha parte; constituíram príncipes, mas eu não o soube; da sua prata e do seu ouro fizeram ídolos para si, para serem destruídos” (Oseias 8.4).

Em segundo lugar, lembre-se: não estamos elegendo presbíteros ou diáconos de uma igreja, mas representantes políticos para o país. Isso significa que o padrão de escolha é outro. Se ele é “chegado ao vinho” ou não, não é o quesito mais importante, mas sim se ele é coerente, honesto, se tem um histórico de vida ilibada.

É preciso considerar ainda, que os discípulos de Cristo devem votar de forma livre e consciente, com senso de responsabilidade social, na busca pelo atendimento do interesse público. A recomendação de Paulo aos filipenses cabe também à consciência política: “Não tenha cada um em vista o que é propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros” (Fil. 2.4).

E, por fim, faça uma avaliação dos candidatos e de suas propostas de governo, optando por aqueles que defendam princípios que estejam em consonância com os valores contidos na Palavra. Para tanto, é importante que se investigue a ideologia do candidato e de seu partido político, para não correr o risco de votar em candidatos que defendam propostas e projetos imorais. Candidatos ou propostas que violam os comandos bíblicos de vida, família, casamento e fé devem estar fora das opções do cristão.

Notas

[1]  Às vezes nem tanto.

[2] Efésios 2.6.

Bibliografia

GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Editora LTC, 1989.