Não sei você, mas custei a me libertar do medo que me puseram enquanto eu crescia. E ele ainda me acompanha, mas agora é menor do que eu. Mesmo assim faço questão de mantê-lo na coleira. Fui uma criança medrosa que passou a infância com receio de tudo. Tinha medo de não ser aceito, medo de não ser aprovado nas disciplinas escolares, medo de não conseguir a pontuação mínima na prova, medo de apanhar dos colegas, medo de apanhar do meu pai, medo de passar vergonha, medo de tudo…
Fazendo uma autoanálise para descobrir de onde vinham tantos temores que me acompanharam mais intensamente até os 20 e poucos anos, descobri algumas possíveis razões. Primeiramente, não sou bom com números, o que me causou muitos problemas na escola durante meus primeiros anos de vida. Nunca decorei qualquer fórmula matemática, e sequer sei multiplicar 5×7 sem tamborilar os dedos sobre a mesa ou disfarçadamente no bolso. Daí uma parte do meu medo; de ser chamado à frente da turma de colegas, não saber a resposta matemática – que todos impressionantemente sabiam – e levar uma repreensão pública. Em dia de exame oral, não dava outra. “Samuel, venha à frente e vamos ver se hoje você aprendeu”. Alguns minutos de perguntas sem respostas e eu voltava pra minha carteira (com vontade de ir pra casa), entre risos disfarçados de alguns dos meus colegas e olhares assustados por parte das meninas, admiradas diante de tamanha demência.
Com o tempo, acabei aceitando meu fracasso na matemática. Desisti de lembrar, por exemplo, do dia de aniversário de meus pais e irmãos, mas eles sabem que os amo. Eu não me lembro nem mesmo do meu aniversário. Os amigos é que me lembram: “Tá chegando, heim?” e eu, “Tá chegando o quê?!” A placa do meu carro? Vá lá e me diga qual é.
Fui crescendo e Deus foi me tratando. Curiosamente, sendo eu péssimo com os números acabei me casando com uma matemática. Vai entender?! Freud explica. Agora sim, posso dizer que amo a matemática. Essas limitações no campo das ciências exatas, associadas à pressão pública fizeram de mim na primeira metade de minha vida um sujeito calado, um amedrontado. Quem me vê falando em público ou lê meus textos dificilmente acredita em minha (medrosa) timidez. Riem de mim quando digo que sou tímido. Pensam que estou fazendo graça.
Em minha autoanálise também me lembrei que, sendo eu nascido numa família pobre, mas estudado entre ricos, acabei absorvendo algumas ofensas de filhinhos mimados, que me ridicularizavam por causa das roupas simples que eu vestia – geralmente feitas a partir de roupas usadas que minha mãe ganhava e as refazia em forma de calças ou camisas pra mim e meus irmãos. Novamente o medo de ser humilhado em público. Junte esses traumas de infância, misture-os a outros fatores e em seguida jogue isso sobre alguém. Dependendo de quem seja, você terá um menino amedrontado diante da vida.
Pois bem, penso que se tem alguém errado nessa história, o errado sou eu mesmo. Eu que considerei demasiadamente o que era negativo, a ponto de esquecer as palavras do meu Senhor: “Não ande ansioso por nada na vida” (Mateus 6.25). E o que é a ansiedade, senão o medo de que as coisas não aconteçam como esperamos? Hoje percebo que não se deve temer a vida, pois tudo (absolutamente tudo) tem a mão de Deus. Ao compreender que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Romanos 8.28), descanso Nele, pois sei que mesmo quando tudo está dando errado, ainda assim verei Sua mão, que reverte o mal em bem e abençoa os seus filhos. Assim descanso, pois sei que Ele cuida de mim.
Mas ainda hoje, se você me perguntar quanto é 8×7 (essa sim, difícil) fique certo de que continuarei sem saber a resposta, mas agradecendo a Deus pela invenção das calculadoras eletrônicas. O melhor de tudo está em saber que o meu Deus, que está acima de meus temores, me diz: “Fica frio, meu filho, deixa comigo que Eu sei fazer as contas”. E então me vejo novamente, aos 10 anos, naquela sala de aula do terceiro ano primário, diante de uma platéia atônita e de um dragão em forma de professora, sem saber responder aos problemas colocados diante de mim.
No íntimo do meu coração eu me lembro das doces palavras do meu Senhor e penso: “Ele é meu Pai. E Ele resolve as minhas contas.”
Inclusive as de matemática.
“Não temas, porque eu sou contigo; não te assombres, porque eu sou o teu Deus; eu te fortaleço, e te ajudo, e te sustento com a minha destra fiel” (Isaías 41.10).