Há exatos 18 anos eu entrevistava vários casais evangélicos sobre suas crenças sexuais. As entrevistas eram parte de meu trabalho para compor o que mais tarde se tornou minha dissertação de mestrado, que tratava das crenças que dirigem o comportamento sexual dos casais. Crenças nada mais são do que as vias pelas quais nosso comportamento é dirigido. Em outras palavras: nós nos comportamos de acordo com nossas convicções. Uma das crenças masculinas verificadas à época é a de que o sexo reduz as tensões do estresse, o que faz com que muitos homens queiram sexo apenas como alívio das tensões do dia. Isso acaba sendo um problema para algumas esposas entrevistadas, que discordaram de seus maridos, quando estes as procuravam sexualmente apenas para driblar o estresse.

Deixe-me discorrer um pouco sobre essa crença específica, pois percebi que as entrevistadas disseram ficar contrariadas quando se relacionavam sexualmente apenas com o objetivo de alívio do marido. Eles, contudo, não viam nenhum problema em participar de uma relação sexual nessas condições. A convicção pessoal de que o sexo reduz a tensão do estresse faz com que Rodrigo, por exemplo, ao chegar em casa, anseie que sua mulher lhe proponha uma relação sexual. Ele espera que ela tome a iniciativa, porque sente suas forças exauridas após ter enfrentado todo tipo de problemas durante sua jornada de trabalho. Rodrigo afirma que “muitas vezes” chega em casa “magoado, triste, chateado com problemas no trabalho”, além de outros fatores, isto é, “um monte de coisas” e espera que sua esposa lhe proponha sexo. Sua fala é enfática ao dizer que “naquele dia era fundamental” ter prazer com sexo. Para ele é “fundamental”, por encontrar-se “magoado, triste e chateado com problemas no trabalho”. Certamente, sua vida sexual é norteada por várias crenças, entre as quais, a de que o sexo reduz o estresse.

Muitas vezes eu tenho necessidades. Chego em casa magoado, triste, chateado com problemas no trabalho… um monte de coisas… e nesse dia eu não estou buscando. Não estou indo a ela e dizendo: “Oi amor! Vem cá! Me dá um beijinho etc”. E quando não existe essa atividade, raramente acontece o ato sexual, porque depende muito do desejo do homem. Então, a dificuldade é essa, porque nessa determinada situação, [o fato dela não me procurar sexualmente] gera frustração. Porque naquele dia era fundamental acontecer o ato sexual, mas não por interesse ou iniciativa minha, e sim dela.

Rita também disse que o seu marido a procurava sexualmente, a fim de aliviar-se das tensões, apenas para “relaxar” diante do estresse. Ela declarou que esse tipo de comportamento a deixava contrariada e “preocupada”.

Meu marido diz: “Estou muito cansado. Vamos relaxar, vamos fazer sexo.” Tipo assim… sexo fugindo da função amor. Essas coisas aconteceram muito durante uma fase do nosso casamento. Já fiquei muito preocupada com isso, porque o meu marido não liga se eu estou mais gorda ou mais magra, se eu coloquei uma roupa, se eu não coloquei, se eu pintei a unha, se não pintei. Ele quer fazer [sexo] porque quer.

Outra entrevistada, Paula, também não concorda em praticar a relação sexual apenas como um redutor de estresse. Ela se nega à relação quando seu marido a deseja como uma válvula de escape da pressão quotidiana. Ela diz não ao sexo ao perceber que seu marido a quer como “remédio para diminuir a tensão” ou como um “dever de casa”, isto é, como o cumprimento de uma tarefa escolar: “Se eu não estou com vontade, [não faço sexo] como um dever de casa ou como remédio pra diminuir a tensão dele. Eu tenho muita resistência”.

Perceba que, enquanto Rita associa sexo a amor (pois ela diz que o sexo está funcionalmente ligado ao amor), seu marido a quer sem qualquer romantismo, apenas pelo prazer da relação. Para ela é inadmissível experimentar “sexo fugindo da função amor”. Mas o que é o amor? Não estaria Rita confundindo romantismo com amor? Nem sempre o casal está transpirando romantismo. Aliás, na maior parte do tempo, no convívio diário, o casal não age com romantismo, mas nem por isso deixa de haver amor na relação. Há amor na relação, ainda que eventualmente um ou os dois não sejam românticos. A aliança firmada entre o casal, de que se amariam pra sempre, garante que eles permaneçam juntos, apesar dos dias difíceis, apesar das preocupações da vida e das tensões próprias de cada existência.

Portanto, a relação sexual mesmo sem romantismo é também legítima, pois em nenhum momento deixa de ser uma relação amorosa, quando o casal caminha sob a ótica da aliança. Nem sempre os dois estarão mutuamente motivados para a relação sexual, mas ambos devem satisfazer as necessidades do outro – por amor – ainda que num ou outro dia não se perceba quaisquer vestígios de romantismo entre eles. Agir dessa forma é perceber que o romantismo é passageiro, o amor não. Em alguns dias estamos mais românticos, em outros nem tanto, mas o amor sempre está presente numa relação de aliança conjugal.

Viver assim é caminhar sob a orientação da Palavra de Deus, que objetivamente ensina que o casamento é uma relação exclusiva, pois “cada um tenha a sua esposa, e cada uma, o seu próprio marido” (I Co. 7.2). É também compreender que a vida sexual é, sim, uma obrigação, ao perceber a necessidade de seu par. Por isso, “o marido conceda à esposa o que lhe é devido, e também, semelhantemente, a esposa, ao seu marido” (I Co. 7.3), pois não têm mais poder sobre o seu próprio corpo, uma vez que, no casamento, ambos transferem seus poderes ao cônjuge. A Escritura Sagrada orienta os casais a não se privarem sexualmente, a não ser por “mutuo consentimento”, e mesmo assim, apenas “por algum tempo”, desde que um dos dois queira intensificar sua vida de oração (I Co. 7.5). “Não vos priveis um ao outro (…) para que Satanás não vos tente por causa da incontinência”.

Essas “obrigações” sexuais são legítimas e próprias dos que vivem debaixo da aliança do amor. Com ou sem romantismo eles se amam e se relacionam sexualmente pelo prazer de saber que o outro quer, ainda que um dos dois não esteja tão interessado naquele dia. Isso não significa que o marido ou a esposa forçará o outro a se relacionar sexualmente. Antes, marido ou esposa proporão o sexo, mesmo que não estejam tão desejosos, mas sabendo que o outro precisa. Casais assim vivem felizes na busca de completar o seu par em suas necessidades (inclusive as necessidades sexuais), porque um dia decidiram compartilhar tudo o que são.


Obs. Os nomes dos entrevistados são fictícios.